De Lisboa a Barcelos

01 Parque da cidade
Do Porto a Barcelos gastámos cerca de quarenta minutos pela autoestrada. Fomos andando de carro pela cidade até chegarmos ao centro urbano. Estacionámos no Campo da República, ou Campo da Feira, um espaço amplo onde é fácil arranjar lugar. O meu pai ficou espantado por não ter de pagar parqueamento num local tão próximo do centro. Sem sabermos bem para onde nos deveríamos dirigir, acabámos por entrar no Parque da Cidade, atraídos pela acalmia que se adivinhava no interior do muro. Fomos surpreendidos pela intensa atividade física que lá se desenvolvia. Havia patos a nadar num pequeno lago e um belo cisne branco cheio de vaidade. Visitámos o Pavilhão Gimnodesportivo Municipal, onde decorria uma partida de hóquei em patins entre o Óquei de Barcelos e o Benfica. Nós somos todos benfiquistas, por isso não vou dizer o resultado do jogo.

02 Centro Óptico Ibérico
Saímos do Parque Municipal para a Rua Cândido da Cunha. Virámos à esquerda até ao Largo dos Capuchinhos, e outra vez à esquerda para contornarmos o parque e regressarmos à zona mais central da cidade. Demorámo-nos a percorrer a Avenida dos Combatentes da Grande Guerra. O meu pai queixava-se da luz do dia, que lhe incomodava os olhos, dizia. A minha mãe aproveitou para lhe recordar que quem estava habituado à luz de Lisboa não podia estranhar outra luz qualquer. Mas o meu pai, com a mania das doenças, que nunca o abandona, entrou no Centro Óptico Ibérico decidido a comprar um par de óculos de sol. Argumentou que se queríamos prevenir o aparecimento de cataratas, teríamos que evitar a exposição solar para não acelerar o envelhecimento do cristalino. “O cristalino é a lente natural dos olhos” – reforçou o técnico da loja que nos atendeu com profissionalismo e simpatia. Aconselhado por ele, o meu pai comprou um par de óculos com lentes de cor cinza, as mais adequadas para o que o atormentava.

03 Papelaria Porta Nova II
Depois de sairmos da loja, o meu pai atravessou a avenida para comprar o jornal na Papelaria Porta Nova II. Eu acompanhei-o enquanto a minha mãe prosseguia em passo lento pelo passeio, distraindo-se a observar as montras. O meu pai comprou-me um dominó, jogo que eu bem conhecia, porque costumava jogá-lo no meu portátil, mas que nunca tinha sentido verdadeiramente nas minhas mãos. Foi agradável sentir a macieza e o toque frio das peças na minha pele; e o seu volume, obviamente impercetível na versão do jogo para computador. O meu pai prometeu-me que jogaríamos ambos algumas partidas quando recolhêssemos ao hotel, o que me deixou feliz, pois sabia bem que ele não é um entusiasta deste género de jogos.

04 Coruby
Quando saímos para a rua, a minha mãe fez-nos sinal para nos dizer que ia entrar num estabelecimento comercial. Atravessámos a rua para irmos ao seu encontro. A minha mãe estava na Coruby, uma loja de vestuário feminino bem ao gosto dela. Ainda em Lisboa, ela tinha-me confessado que tencionava comprar algumas peças de roupa durante a nossa viagem, pois sabia que nos encontrávamos no maior centro produtor e exportador de vestuário do país. Assim, na Coruby provou algumas peças, perante o meu gozo e a habitual impaciência do meu pai. Pediu sempre a minha opinião, pois nestas coisas as mulheres entendem-se bem. Por fim, decidiu-se por um vestido de renda com fios dourados. Estava hesitante entre o preto e o bordeaux, mas seguiu o meu conselho e escolheu o segundo. Ficava-lhe bem, o vestido.

05 A Minha Farmácia
O meu pai punha e tirava os óculos, esfregava os olhos, depois passava a mão pela fronte como se estivesse com febre ou dores de cabeça. A minha mãe preocupava-se, mas não em demasia, pois conhecia bem a tendência hipocondríaca do marido. Nessa altura, como estávamos em frente de uma farmácia, A Minha Farmácia, o meu pai resolveu comprar comprimidos para as dores de cabeça. Ficámos à sua espera na rua, com um sorriso nos lábios, sabendo que não teríamos de nos apoquentar com a saúde dele, mas apenas ser tolerantes com as suas manias. Passado algum tempo, o meu pai saiu da farmácia com ar de quem estava aliviado. Disse-nos que medira a tensão arterial, a temperatura corporal e que se sentia como novo. Manias...

06 Igreja de Nossa Senhora do Terço
Uma das razões para incluirmos Barcelos no percurso da nossa viagem foi porque a minha mãe queria visitar a Igreja de Nossa Senhora do Terço, onde sabia que estava a ser feito um projeto de conservação e restauro. Este templo católico, segundo ela me disse, fazia parte do antigo convento de freiras beneditinas, datado do início do século XVII. Contrastando com a sobriedade do exterior, o interior da igreja é um dos melhores exemplos do barroco português, conseguido através de uma combinação harmoniosa entre a pintura, os azulejos e a talha dourada. Os caixotões de madeira do teto e os painéis de azulejos que revestem totalmente as paredes da igreja ilustram cenas da vida de São Bento. Acedendo ao website do Barcelos Plaza fiquei a saber que a primeira pedra do templo fora mandada lançar em 1707 pelo Bispo de Braga D. Rodrigo de Moura Teles, em cumprimento de um pedido feito pelo rei D. João V que satisfazia, assim, um desejo de seu pai D. Pedro II. Quem visitar Barcelos não pode deixar de visitar a Igreja de Nossa Senhora do Terço. Mas sem tirar fotografias, como o meu pai fez, pois há um aviso bem visível que as proíbe.

07 Dion
Depois de passarmos pela Estátua ao Bombeiro para seguirmos pela Avenida da Liberdade, a minha mãe não resistiu à montra da loja Dion, de vidros amplos e convidativos, a revelarem artigos de vestuário, calçado e acessórios de marcas conceituadas dirigidas ao público feminino. Como havia artigos em promoção, a minha mãe entrou na loja sem hesitar, talvez à espera de poder comprar alguma “pechincha” para mais tarde exibir às amigas. O meu pai sentou-se num banco público, de madeira e ferro forjado, e pôs-se a ler o jornal. Eu acompanhei a minha mãe, e deliciei-me com os vestidos, casacos, calças, blusas, carteiras e bolsas, enfim – com tudo o que vi. A minha mãe comprou um lenço da marca Rocobarroco com um padrão muito bonito. Disse-me que ligaria bem com o vestido que acabara de comprar.

08 Chafariz do Largo da Porta Nova
Descemos a Avenida da Liberdade, passámos pelo Templo do Bom Jesus da Cruz e detivemo-nos no chafariz do Largo da Porta Nova, a apreciar o espaço envolvente e os passantes. Enquanto o meu pai ia tirando fotografias, eu e a minha mãe sentámo-nos no chafariz, com o templo à nossa esquerda, a Torre da Porta Nova à nossa direita e um belo jardim – o Jardim das Barrocas – à nossa frente, para onde o meu pai se dirigiu enquanto nos acenava para o seguirmos. O Chafariz do Largo da Porta Nova, tanto quanto pude saber, foi construído na primeira metade do século XVIII.

09 Jardim das Barrocas
A ladear o Jardim das Barrocas encontra-se o Passeio dos Assentos, um belo trabalho do século XVIII em estilo rococó provincial, informação que pude recolher no website do Barcelos Plaza. O jardim é um quadro vivo de cor e beleza que não deixa ninguém indiferente. O meu pai fotografou-o de todos os ângulos, encantado com o arranjo cromático do espaço. Havia vários turistas de máquina fotográfica em punho, todos com a certeza, assim me parecia, de que poderiam obter fotografias excelentes, ricas em cor e harmonia. Eu mesma não resisti a registar no meu iphone alguns pormenores do jardim.

10 Galeria de Arte
Depois do inebriamento de cor e odores do Jardim das Barrocas fomos visitar a Galeria de Arte Municipal, onde decorria uma exposição de pintura e escultura de uma artista vimaranense que reside em Barcelos, a Manuela Macedo. Os trabalhos de cerâmica expostos suscitaram o meu interesse, ou não estivéssemos na capital do artesanato, onde a cerâmica assume uma importância fundamental. Nas pesquisas que fiz na Internet, pude aperceber-me da riqueza do figurado barcelense, do famoso Galo de Barcelos, também fabricado em cerâmica, e de uma artista que ganhou notoriedade nacional, a Rosa Ramalho, descoberta nos anos de 1960 para os meios artísticos pela mão de António Quadros.

11 Trevo
Regressámos ao Largo da Porta Nova, de onde seguimos pela Rua D. António Barroso, mais conhecida por Rua Direita. Desta vez foi o meu pai que entrou numa loja, porque, segundo nos disse, queria comprar uns ténis para poder caminhar mais confortavelmente. Entrámos na Trevo, uma loja de vestuário e calçado para homem, senhora e criança. Apesar das suas manias, o meu pai é muito prático quando tem que fazer compras. Até prefere fazê-las sozinho, pois quando a minha mãe o acompanha acaba por não trazer o que lhe apetece, pelo menos é isso que ele me diz. Mas dessa vez a minha mãe absteve-se de dar opiniões, e assim o meu pai pôde comprar uns ténis brancos da marca Adidas sem complicar a função da balconista que o atendeu, por sinal muito simpática.

12 Morgan
A minha mãe é cliente da Morgan, uma loja que visita em Lisboa com frequência. Talvez por o meu pai ter agora uns ténis, quando ela viu uma loja da marca decidiu comprar também um par de sapatos desportivos. Por coincidência, nesse dia a minha mãe calçava umas sabrinas da Moschino, quer havia comprado na Morgan de Lisboa. Como de costume, experimentou vários pares, decidindo-se depois por umas sapatilhas multidesportos cor-de-rosa que ligavam bem com a roupa que trazia vestida – um par de calças de ganga e uma blusa sem ombros, ambas de cor azul-marinho. A competência da funcionária da loja convenceu a minha mãe a comprar para mim uns ténis da marca Le Coq Sportif, que ainda hoje são o meu calçado preferido.

13 Escultura dos Poetas
Ao fundo da Rua Direita deparámos com o Theatro Gil Vicente, no Largo Dr. Martins Lima. Em frente do edifício encontra-se uma belíssima escultura de José Rodrigues. A ligação do escultor ao Minho é conhecida, em particular com Vila Nova de Cerveira, através da Bienal das Artes. Para Barcelos, José Rodrigues criou a Escultura aos Poetas, inicialmente montada no Largo dos Poetas, defronte da Galeria Municipal de Arte, mas depois colocada em frente ao Theatro Gil Vicente. O escultor faleceu em 2016, precisamente quando o Município de Barcelos preparava, e realizou, uma homenagem à sua obra através de três exposições simultâneas em outros tantos espaços nobres da cidade. Um pouco mais abaixo encontra-se a sede da ACIB – Associação Comercial e Industrial de Barcelos, que os meus pais decidiram visitar. Fomos recebidos por uma funcionária da associação, que nos falou dos projetos da instituição e, em pormenor, da plataforma de comércio eletrónico Barcelos Plaza.

14 Theatro Gil Vicente
O meu pai sabia da existência do Theatro Gil Vicente, mas nunca o tinha visitado. Nessa noite passava pelo palco a peça “As Criadas”, de Jean Genet, com encenação de Marco Martins e representação de Beatriz Batarda, Sara Carinhas e Luísa Cruz. Quando o meu pai comprou três bilhetes para o serão, senti-lhe com a adrenalina de quem chega impaciente a casa. O Theatro Gil Vicente é uma construção do final do século XIX, de fachada neoclássica revivalista. Pelo seu palco passaram - escreve Vítor Pinho - as principais companhias nacionais de teatro e de teatro de revista, tendo os barcelenses demonstrado a sua gratidão aos grandes vultos do palco, com homenagens, entre outros, aos atores Palmira Bastos, Alexandre Azevedo, Alves da Cunha, Laura Alves e Raúl Solnado que ficaram gravadas em placas colocadas no átrio principal do edifício.

